Como se sabe, não existe aposentado morto, por isso, os parentes só podem continuar a receber o pagamento se o benefício não for proveniente da Assistência Social e se existir algum dependente legal para requerer a pensão por morte, fora isso, ocorrendo o falecimento do segurado, os dependentes deverão comunicar imediatamente o INSS para que cesse o benefício. Essa é a regra geral que evita complicações futuras.
No entanto, essa regra moral, por inúmeras razões; acabam sendo desprestigiadas pelos dependentes, que não só deixam de comunicar o INSS como muitas vezes continuam recebendo os benefícios indevidamente em prejuízo do erário público, acarretando inclusive; acusações penais por receber pensão de que tinha direito a falecida.
Embora o recebimento indevido de algum benefício e não somente previdenciário, como exemplo; recebimento de Loas, recebimento do seguro desemprego, recebimento de auxílio doença, de auxílio reclusão, FGTS, etc., constituam crimes, inclusive para aqueles objeto deste artigo; que após o falecimento do beneficiário seguem recebendo o benefício antes regularmente concedido ao segurado, como se ele fosse, sacando a prestação previdenciária por meio de cartão magnético todos os meses onde normalmente recaem em seus desfavores a regra da continuidade delitiva, ainda sim, a nosso ver, para que a conduta do investigado ou do acusado seja considerada crime, a mesma deve ser analisada com a sua recusa em restituir os valores auferidos indevidamente e concomitantemente, se o agente agiu ou não com dolo.
Isso quer dizer, que a simples ausência de comunicação ao INSS do evento morte e até mesmo a continuidade do recebimento da pensão não gera automaticamente de per si a ocorrência do crime de estelionato previdenciário, como reiteradamente tem se visto condenações a esse respeito, primeiro, porque compete ao Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais comunicar os óbitos ao INSS, na forma do art. 68 da Lei 8.212/1991 com consequente cancelamento dos benefícios percebidos (pensão por morte) o que já se presume boa-fé; segundo, incumbe à acusação produzir prova robusta e apta a demonstrar, com certeza, a autoria de uma empreitada criminosa e o dolo do agente.
É cediço que no direito brasileiro todos os crimes somente são puníveis a título de dolo, sendo que em casos específicos e determinados expressamente no tipo penal a punição poderá ocorrer diante de uma conduta culposa.
Por sua vez, a boa-fé é entendida em dupla acepção. A boa-fé subjetiva, é um estado mental que indica a ausência de más intenções, isto é, de má-fé, caracterizando uma crença subjetiva numa conduta específica como a mais adequada à situação concreta.
A boa-fé objetiva, de outro lado, indica uma atuação conforme o padrão do homem médio. Denota um ‘standard’ de conduta, um modo segundo o qual as pessoas deveriam agir em suas relações sociais.
Trata-se de um elemento exposto à interpretação, mas balizado por uma conduta socialmente averiguável. Já aquela, é de difícil caracterização, porquanto o âmago subjetivo é de acesso muito restrito.
Assim sendo, para averiguação do âmago subjetivo do delito, deverá ser analisada a conduta subjetiva, para fins criminais, a partir das condutas objetivamente inferíveis.
Conquanto o direito civil se contente com a conduta objetivamente aferível, o direito penal irá partir dessa, para poder daí averiguar aquela, subjetivamente existente.
O estelionato encontra previsão no art. 171 do Código Penal, nos termos que seguem:
Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. (…) § 3º – A pena aumenta-se de um terço, se o crime for cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência. Destarte, para a subsunção de determinada conduta no tipo penal acima descrito, é essencial a presença dos seguintes elementos objetivos: o emprego de algum artifício ou qualquer outro meio fraudulento; o induzimento em erro da vítima; e a obtenção da vantagem ilícita pelo agente e o prejuízo de terceiros. Indispensável que haja o duplo resultado (vantagem ilícita e prejuízo alheio), decorrente da fraude e o erro que esta provocou.
Logo se vê, a exigência como elemento subjetivo, a presença do dolo específico para o estelionato, consistente no agir especial do agente para apoderar-se de vantagem ilícita, e, sendo crime material, se consuma no momento e no local em que o agente obtém a vantagem ilícita, em prejuízo de outrem.
Portanto, se o indivíduo é acusado de ter de forma livre e consciente, obtido para si vantagem ilícita, induzindo e mantendo o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em erro, mediante meio fraudulento, consistente recebimento indevido do benefício de pensão por morte de um ente querido, para se obter uma condenação deve existir elementos suficientes de autoria e do dolo que ultrapassam o limite da ausência de comunicação e o mero recebimento indevido dos valores.
Para exame da prova, invoca-se standard da “prova acima de dúvida razoável”, consoante previsto no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, adotado pelo Brasil a partir do Decreto nº 4388/2002.
Colhe-se da experiência estrangeira o parâmetro da existência de prova “acima de uma dúvida razoável” (proof beyond a reasonable doubt), que importa no reconhecimento da inexistência de verdades ou provas absolutas, devendo o intérprete/julgador valer-se dos diversos elementos existentes nos autos, sejam eles diretos ou indiretos, para formar sua convicção.
Assim, tanto provas diretas quanto indícios devem ser considerados para composição do quadro fático que se busca provar, implicando a “prova acima de uma dúvida razoável” no firme convencimento acerca da ocorrência do fato e da culpa do acusado.
Não é necessária a existência de certeza absoluta, porquanto esta seja praticamente impossível ou ao menos inviável. Entretanto, as evidências devem levar o julgador, para que possa ser emitido um decreto condenatório, ao firme convencimento da culpa, sendo que a dúvida deve levá-lo à absolvição, com base no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.