O motorista que dirige com carteira de habilitação suspensa administrativamente não comete o crime tipificado no artigo 307 do Código de Trânsito Brasileiro. Só há o crime se a suspensão da CNH for determinada por decisão judicial.
Com este fundamento, a Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Rio Grande do Sul, confirmou sentença que rejeitou denúncia-crime contra motorista flagrado na direção com a carteira suspensa pelo Detran.
Segundo o colegiado, a conduta do motorista é indiferente penalmente, uma vez que é vedada a criminalização de conduta sem ofensa à bem juridicamente tutelado.
“A conduta daquele que viola a interdição do direito de dirigir administrativamente imposta constitui indiferente penal, por violação ao princípio da proporcionalidade e da proibição de excesso”, afirmou o relator, juiz Luís Gustavo Zanella Piccinin.
O relator explica que a criminalização – como ‘‘expressão kafkiana’’ de um processo sem lesão a bem relevante – serve para impor severas restrições ao exercício individual de direito. E pode levar à interrupção de atividades profissionais lícitas, como a de caminhoneiro, vendedor e representante comercial.
‘‘Assume contornos de surrealismo e de esquizofrenia estatal legiferante quando se pensa que o ‘trabalho’ gera direito à remissão de qualquer preso, por mais bárbaro que seja seu crime, mas que, em se tratando de motorista profissional, justamente o mais sujeito à fiscalização (e à infração) de trânsito, o efeito é justamente retirar-lhe o meio de trabalho, interditando lhe o direito de conduzir’’, registrou.
A denúncia
do MP
Segundo os autos, o fato reputado como criminoso ocorreu no dia 14 de dezembro
de 2019, quando o motorista foi parado pela polícia de trânsito. Durante a
abordagem, os agentes constataram que ele estava com sua habilitação suspensa por determinação administrativa desde outubro
de 2015, em razão do processo de suspensão do direito de dirigir.
Em face da conduta, o Ministério Público ofereceu denúncia por ‘‘delito de violação da suspensão do direito de dirigir’’, dando o réu como como incurso às penas do artigo 307 do Código Brasileiro de Trânsito – CTB (Lei 9.503/97). Registra o dispositivo: ‘‘Violar a suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor imposta com fundamento neste Código: Penas – detenção, de seis meses a um ano, e multa, com nova imposição adicional de idêntico prazo de suspensão ou de proibição’’.
O Juizado Especial Criminal (Jecrim) da 2ª Vara Judicial da Comarca de Taquari, no entanto, rejeitou a denúncia argumentando falta de justa causa para a instauração da ação penal, como prevê o inciso III do artigo 395 do Código de Processo Penal (CPP).
O MP apelou da sentença. Em razões recursais, sustentou que o artigo 307 do CTB abarca as suspensões impostas nas searas administrativa e judicial, não fazendo diferenciação entre elas. Assim, a conduta do réu deve ser considerada típica.