Como base em um estudo realizado envolvendo 178 países foi definido em 2010 uma resolução pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, onde todos os países deveriam comprovar ações de melhoria para segurança viária de modo a reduzir drasticamente as mortes no trânsito entre o período de 2001 a 2020.
Para o Brasil que está entre os recordistas de acidentes desta natureza, a existência de pressão internacional de tamanha magnitude, logo movimenta o Congresso e dos demais governantes no intuito de endurecer a regras punitivas entendendo ser o meio mais apropriado para alcançar a redução dos delitos viários para atender as imposições internacionais.
Desta forma, sendo a embriaguez ao volante um dos maiores fatores de mortes e acidentes com vítimas fatais ou lesões permanentes, após o endurecimento das penalidades com a chamada Lei Seca de n.º 11.705/2008, não faltou alterações legislativas e jurisprudenciais para garantir uma punição cada vez mais severa aos acusados de crime de trânsito.
Desta forma, para atender a expectativa da ONU em primeiro momento sobreveio a Lei 12.760/2012 para corrigir a redação do art. 306 do CTB, que acabou dificultando a punição dos acusados em razão do abrandamento jurisprudencial ou entendimento contrário a expectativa dos Legisladores.
Nesta mesma linha, foram aprovadas outras disposições relativas aos crimes de homicídio culposo, de lesão corporal culposa e de competição ilegal cometidos na direção de veículo automotor, como exemplo o art. 302 da Lei nº 9.503/97 com pena de detenção de dois a quatro anos, a conduta de praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor e, no parágrafo único, trazia causas de aumento de pena. A partir da vigência da Lei nº 12.971/14, ao caput do art. 302 se somaram dois parágrafos: o primeiro dispunha a respeito das mesmas majorantes e o segundo trazia uma qualificadora.
A nova qualificadora se referia ao fato de o agente causar a morte conduzindo veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determinasse dependência ou participando, em via, de corrida, disputa ou competição automobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente, hipótese em que a pena passava a ser de reclusão de dois a quatro anos.
A então nova legislação não alterava o quantum da pena em relação ao caput, mas modificava sua natureza, que passava de detenção para reclusão, com a clara intenção de possibilitar ao juiz a imposição de regime inicial fechado nos casos de agente reincidente, providência impossível na figura básica do crime diante da vedação a que a pena de detenção tenha seu início no regime mais severo.
De acordo ainda com a ordenação da Lei nº 12.971/14, o art. 308 passou a conter dois parágrafos: o primeiro qualificando o crime e impondo pena de reclusão de três a seis anos se de sua prática resultar lesão corporal de natureza grave; o segundo, também qualificador, estabelecendo pena de reclusão de cinco a dez anos se da conduta do caput resultar a morte. Em ambos os casos, a lei estabelece que estas disposições incidem se as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo (a lesão ou a morte hão de ser, necessariamente, culposas).
A modificação introduzida pela Lei nº 12.971/14 no art. 302 causou dois problemas: um relativo ao concurso entre o homicídio e a embriaguez na direção de veículo automotor, outro concernente ao conflito entre o § 2º do art. 302 e o § 2º do art. 308:
1) Homicídio x embriaguez: a embriaguez na direção de veículo automotor era, originalmente – além de infração penal autônoma tipificada no art. 306 –, causa de aumento de pena do homicídio culposo. Posteriormente, a causa de aumento foi revogada pela Lei nº 11.705/08, com o propósito de tornar possível o concurso de crimes entre o homicídio e a embriaguez. Com a introdução da qualificadora do § 2º do art. 302, promovida pela Lei nº 12.971/14, o concurso de crimes se tornou novamente impossível, pois a embriaguez servia para qualificar o homicídio. Por isso, o concurso entre os delitos seria considerado bis in idem.
2) Homicídio culposo qualificado x competição não autorizada qualificada: vigorando a Lei nº 12.971/14, havia disposições conflitantes a respeito da morte culposa, no contexto de competição não autorizada, cometida na direção de veículo automotor. Neste caso, indagava-se: quando da competição ilegal decorresse a morte, o agente tinha sua conduta sub sumida ao art. 302, § 2º ou ao art. 308, § 2º? E havia dois posicionamentos: 1) devia ser aplicado o art. 302 porque, instalado o conflito, era a norma mais favorável ao agente; 2) devia ser aplicado o art. 308, pois, no desencadeamento dos fatos, o que ocorre primeiro é a competição ilegal; o condutor do veículo que participa, em via pública, de competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, causando perigo
de dano à incolumidade alheia, consuma o crime do art. 308, independentemente de qualquer resultado lesivo a terceiro; se há morte, esta provém daquele fato. Ora, se a morte decorre do fato consumado, é natural que este seja qualificado pelo resultado mais grave. Seria irrazoável, e ilógico, considerar a competição como qualificadora do crime de homicídio se, em todos os casos, a morte havia de ser decorrência involuntária da conduta anterior. Tratava-se, simplesmente, de prestigiar a aplicação do princípio da especialidade.
Para dirimir estas questões, a Lei nº 13.281/16 revogou o § 2º do art. 302. Assim, o homicídio cometido na direção de veículo automotor por agente embriagado passou a ensejar novamente o concurso entre os arts. 302 e 306. Além disso, ocorrida a morte culposa em competição não autorizada, o crime é o do art. 308, § 2º.
No entanto, a entrada em vigor da Lei nº 13.546/17 impõe nova disciplina na relação entre os crimes de homicídio e lesão corporal e o crime de embriaguez ao volante, afastando-se novamente a possibilidade de concurso.
Com efeito, a nova lei acrescenta nos artigos 302 e 303 parágrafos que tratam a embriaguez como circunstância qualificadora dos crimes de homicídio e lesão corporal culposos.
No caso do homicídio, se o motorista causador da morte estiver dirigindo sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência, a pena passa a ser de reclusão de cinco a oito anos (art. 302, § 3º). Já no caso da lesão corporal culposa, se o agente estiver com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, e se do crime resultar lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena passa a ser de reclusão de dois a cinco anos.
Antes de mais nada, uma nota: Percebe-se uma vez mais que a introdução de nova legislação tratando com o devido rigor graves condutas que têm se multiplicado revela a defasagem de determinadas penas cominadas no Código Penal. O homicídio culposo cometido sob a influência de álcool passa a ter pena mínima de cinco anos, ao passo que o homicídio doloso do art. 121 do CP tem pena mínima de apenas seis anos. Na lesão corporal a desproporcionalidade é ainda maior, pois, no Código Penal, a lesão dolosa de natureza grave tem pena mínima de um ano e a gravíssima é apenada com no mínimo dois anos; na nova disciplina do CTB, a lesão culposa grave ou gravíssima cometida sob a influência de álcool é apenada com no mínimo dois anos. Estas novas penas nos crimes de trânsito,
dada a relevância da lesão aos bens jurídicos que se busca tutelar, são adequadas, mas revelam a necessidade de uma análise profunda de determinadas reprimendas cominadas no Código Penal, cujas disposições, em muitos casos, não têm garantido a devida retribuição a condutas de alta gravidade.
Dito isso, sigamos na análise da nova lei.
Como se extrai dos destaques feitos acima, os termos das qualificadoras não são exatamente os mesmos no homicídio e na lesão corporal. Isto porque, no homicídio, faz-se referência tão somente à influência de álcool ou outra substância semelhante, ao passo que, na lesão corporal, o agente deve estar com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de substância semelhante.
No primeiro caso, a determinação do legislador parece ser de que basta que se demonstre a ingestão da substância; no segundo, seria necessário estabelecer que a ingestão de álcool alterou a capacidade psicomotora do motorista.
A nosso ver, no entanto, não há sentido em diferenciar. O procedimento para apurar a embriaguez é um só, disciplinado em Resolução do CONTRAN (432/13) que estabelece as formas por meio das quais se dá a “confirmação da alteração da capacidade psicomotora em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa”. O motorista que provoca um acidente e mata ou fere alguém será submetido aos procedimentos usuais para apurar a ingestão de álcool: exame sanguíneo, exame laboratorial, etilômetro ou verificação de sinais que indiquem a alteração de sua capacidade psicomotora. Não há um procedimento para provar apenas a ingestão e outro para provar a alteração da capacidade psicomotora alterada.
O novo § 2º do art. 303 faz menção à lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, mas o CTB não define as hipóteses em que a lesão pode ser assim considerada. Essa definição é extraída dos §§ 1º e 2º do art. 129 do Código Penal.
Dessa forma, é grave a lesão da qual resulta:
a) incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
b) perigo de vida;
c) debilidade permanente de membro, sentido ou função;
d) aceleração de parto.
E é gravíssima a lesão da qual resulta:
a) incapacidade permanente para o trabalho;
b) enfermidade incurável;
c) perda ou inutilização do membro, sentido ou função;
d) deformidade permanente;
e) aborto.
Assim, sempre que o motorista embriagado causar lesão corporal culposa da qual decorra um dos resultados acima a pena será de dois a cinco anos de reclusão.
A Lei nº 13.546/17 também alterou o caput do art. 308 do CTB para incluir, entre as situações nas quais o crime se verifica, a exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor.
Embora a exibição de perícia caracterizasse infração administrativa no mesmo dispositivo da competição (art. 174 do CTB) e já impedisse a transação penal nos crimes de trânsito (art. 291, § 1º, II, do CTB), não integrava o tipo penal do art. 308. Agora, além da competição (“racha”), é crime efetuar manobras nas quais o motorista pretende demonstrar especial habilidade, como o vulgarmente denominado “cavalo-de-pau”, as manobras de contraesterço e a técnica de andar com a motocicleta em apenas uma roda, isso desde que o condutor esteja na via pública, não tenha autorização da autoridade competente e gere situação de risco à incolumidade pública ou privada.
Finalmente, destaca-se a alteração promovida no art. 291 do CTB.
Na verdade, o projeto que originou a Lei nº 13.546/17 pretendia efetuar duas alterações no referido dispositivo, acrescentando-lhe os §§ 3º e 4º.
O § 3º estabeleceria: “Nos casos previstos no § 3o do art. 302, no § 2o do art. 303 e nos §§ 1o e 2o do art. 308 deste Código, aplica-se a substituição prevista no inciso I do caput do art. 44 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos, atendidas as demais condições previstas nos incisos II e III do caput do referido artigo”.
No entanto, o dispositivo foi vetado sob o seguinte argumento: “O dispositivo apresenta incongruência jurídica, sendo parcialmente inaplicável, uma vez que, dos três casos elencados, dois deles preveem penas mínimas de reclusão de 5 anos, não se enquadrando assim no mecanismo de substituição regulado pelo Código Penal. Assim, visando-se evitar insegurança jurídica, impõe-se o veto ao dispositivo”.
O veto é apenas parcialmente procedente, pois, no caso do homicídio culposo, apesar da quantidade da pena a substituição poderia ocorrer porque, segundo dispõe o art. 44, I, do CP, nos crimes culposos a substituição é cabível independentemente da pena aplicada (e não incide o requisito de que o crime deve ser cometido sem violência ou grave ameaça a pessoa). No que concerne ao art. 308, no entanto, de fato a substituição não seria cabível, pois, tratando-se de figura preterdolosa (o agente tem o propósito de participar de uma competição ilegal e causa a morte involuntariamente), seria necessário que fossem obedecidos os mesmos requisitos do crime doloso, pois antes de integralizar-se o resultado culposo realiza-se, por completo, um crime doloso.
O novo § 4º dispõe que a pena deve ser fixada segundo as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, com especial atenção à culpabilidade do agente e às circunstâncias e consequências do crime. Trata-se, a nosso ver, de disposição desnecessária, pois, de qualquer forma, a pena-base é sempre aplicada de acordo com as disposições do art. 59 do CP e, dado o caráter dos crimes de trânsito, é natural que, dentre as circunstâncias judiciais, tenham maior destaque a culpabilidade, as circunstâncias e as consequências do crime
Desta feita, o homicídio culposo de trânsito, praticado por motorista que esteja sob influência de álcool ou outro tipo de substância análoga, terá pena de 5 a 8 anos de prisão. A lesão corporal culposa de trânsito, praticada sob influência de álcool ou substância análoga, terá pena de 2 a 5 anos de prisão.
Assim, as penas são desproporcionais em relação a outros crimes mais graves. “Se um motorista embriagado, por exemplo, atropelar alguém sem intenção e provocar pequenas lesões, sua pena poderá ser maior que a pena de quem, dolosamente, provocar lesão corporal grave, cuja pena é de 1 a 5 anos”, compara.
Portanto, a dificuldade do Legislador ou sua ausência de técnica legislativa no intuito de atender as expectativas internacionais para conter o avanço dos acidentes e mortes no trânsito cada vez mais dificulta aplicação da Lei Penal pelo Poder Judiciário que na contramão dos interesses internacionais deve zelar pelo princípio da legalidade das normas penais, processuais penais e da
Constituição Federal de modo a garantir aos acusados o exercício pleno defesa e contraditório aplicando sempre que possível a pena menos gravosa ao réu.
Conclusão:
Assim, enquanto o Executivo cede aos interesses internacionais visando cada vez mais alterações na Lei sem técnica legislativa coerente; o Judiciário se debruça juridicamente para melhor aplicação da Lei penal, nesse embati e debate a insegurança jurídica aumenta, como também, aumenta ás mortes e os acidentes nas vias terrestres do Brasil.
Com efeito, está provado que a questão não é melhorar a Legislação ou mais eficiência na aplicação da Lei penal; Em termos legislativos, o Brasil não perde em nada para outros países, a questão em princípio se resolve com a segurança nas vias circulatórias e/ou no tráfego viário, educação, melhor sinalização e sobretudo “fiscalização eficiente e contínua” onde se evita não só o acidente de trânsito, mas pune eficazmente os motoristas que insistem em conduzirem veículos automotores sobre influência de álcool provocando desastres no trânsito.