RESPONSABILIDADE CIVIL. LANÇAMENTO INDEVIVO DE ENCARGOS BANCÁRIOS. DANOS MORAIS. CONTRATO DE MÚTUO COM PACTO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM DO IMÓVEL.

Lançamento indevido de encargos bancários, porque resultantes exclusivamente de falha operacional do banco. Situação que extrapolou o mero aborrecimento do cotidiano ou dissabor por insucesso negocial. Recalcitrância injustificada da casa bancária em cobrar encargos bancários resultantes de sua própria desídia, pois não procedeu ao débito das parcelas na conta corrente da autora, nas datas dos vencimentos, exigindo, posteriormente, de forma abusiva, os encargos resultantes do pagamento com atraso.

Decurso de mais de três anos sem solução da pendência pela instituição financeira. Necessidade de ajuizamento de duas ações judiciais pela autora. Adoção, no caso, da teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, tendo em vista que a autora foi privada de tempo relevante para dedicar-se ao exercício de atividades que melhor lhe aprouvesse, submetendo-se, em função do episódio em cotejo, a intermináveis percalços para a solução de problemas oriundos de má prestação do serviço bancário. Danos morais indenizáveis configurados. Preservação da indenização arbitrada, com moderação, em cinco mil reais. Pedido inicial julgado parcialmente procedente. Sentença mantida. Recurso improvido.”

“Ocorre que, no Brasil, inúmeros profissionais autônomos e liberais, empresas de diversos portes e o próprio estado, em vez de atender o consumidor com qualidade assim satisfazendo as suas necessidades, desejos e expectativas, promovendo o seu bem-estar, contribuindo para a sua existência digna e liberando os seus recursos produtivos, corriqueiramente não realizam sua missão, por despreparo, desatenção, descaso ou má-fé. Dito de outra maneira, incontáveis fornecedores, no lugar de cumprir os seus principais deveres jurídicos originários de qualidade-adequação, de qualidade-segurança, de informação, de boa-fé, de não empregar práticas abusivas no mercado, de indenidade, cotidianamente violam a lei, por ato culposo ou doloso.

Assim procedendo, tais fornecedores permitem ou contribuem para que se criem problemas de consumo representados pelo fornecimento de produtos ou serviços com vício ou defeito, ou pelo emprego de práticas abusivas no mercado.

Trata-se de atos antijurídicos potencial ou efetivamente danosos ao consumidor, que frustram as legítimas expectativas e a confiança dele e ensejam o dever jurídico sucessivo do fornecedor de sanar o problema ou indenizar o consumidor espontânea, rápida e efetivamente. Sucede que muitos profissionais autônomos, empresas de menor porte e órgãos públicos, por ato culposo e sem a intenção de obter vantagem indevida, acabam não apresentando uma solução espontânea, rápida e efetiva para esses problemas de consumo, enquanto várias empresas nacionais e transnacionais de grande porte, por ato doloso e com a intenção de auferir lucro extra mediante o sacrifício do consumidor, acabam se aproveitando do seu domínio do conhecimento e poder econômico para impor ao consumidor, veladamente, o próprio modus solvendi desses problemas: utilizar-se das mais variadas justificativas ou artifícios para omitir, dificultar ou recusar sua responsabilidade por eles.

Tal conduta desleal, não cooperativa e danosa desses grandes fornecedores comumente ainda é marcada pela habitualidade no mercado de consumo, lesando direito individual homogêneo de uma coletividade determinada ou determinável de consumidores ligados por um fato comum, provocando um desequilíbrio na relação jurídica de consumo que coloca esse grupo de consumidores em situação de desvantagem exagerada e gerando prejuízos coletivos que, entretanto, serão percebidos individualmente pelos consumidores.

Independentemente do porte do fornecedor, do seu grau de culpabilidade e do resultado que seu ato alcançar, a conduta de tentar atenuar, impossibilitar ou exonerar sua responsabilidade por problemas de consumo configura a prática abusiva (gênero) vedada pelos arts. 25, 39, V, e 51, I e IV, do Código Brasileiro de defesa do Consumidor (CDC).

Ao se esquivar de resolver o problema primitivo em prazo compatível com a real necessidade do consumidor, com a utilidade do produto ou com a característica do serviço, o fornecedor consuma tal prática abusiva e gera para o consumidor duas novas alternativas de ação, que são indesejadas: assumir o prejuízo ou tentar, ele mesmo, solucionar a situação lesiva. Ademais, ao confrontar o consumidor com essas novas alternativas de ação que, apesar de indesejadas, mostram-se prioritárias, necessárias ou inevitáveis naquele momento, o fornecedor restringe a possibilidade de escolha do consumidor.

Além disso, ao impor ao consumidor um prejuízo em potencial, iminente ou consumado, o fornecedor influencia a vontade do consumidor. Consequentemente o fornecedor faltoso induz o consumidor prejudicado a tomar uma decisão sob a influência inevitável de fatores incontroláveis, a renunciar a alguns de seus direitos especiais tutelados pelo CDC e a se submeter ao modus solvendi do problema que o próprio fornecedor veladamente impõe, o qual traduz a vontade interna dele.

Não lhe restando uma alternativa de ação melhor no momento, e tendo noção ou consciência de que ninguém pode realizar, simultaneamente, duas ou mais atividades de natureza incompatível ou fisicamente excludentes, o consumidor, impelido por seu estado de carência e por sua condição de vulnerabilidade, despende então uma parcela do seu tempo, adia ou suprime algumas de suas atividades planejadas ou desejadas, desvia as suas competências dessas atividades e, muitas vezes, assume deveres operacionais e custos materiais que não são seus. O consumidor comporta-se assim ora porque não há solução imediatamente ao alcance para o problema, ora para buscar a solução que no momento se apresenta possível, ora para evitar o prejuízo que poderá advir, ora para conseguir a reparação dos danos que o problema causou, conforme o caso. Essa série de condutas caracteriza o “desvio dos recursos produtivos do consumidor” ou, resumidamente, o “desvio produtivo do consumidor”, que é o fato ou evento danoso que se consuma quando o consumidor, sentindo-se prejudicado, gasta o seu tempo vital que é um recurso produtivo e se desvia das suas atividades cotidianas, que geralmente são existenciais.

Por sua vez, a esquiva abusiva do fornecedor de se responsabilizar pelo referido problema, que causa diretamente o evento de desvio produtivo do consumidor, evidencia a relação de causalidade existente entre a prática abusiva do fornecedor e o evento danoso dela resultante.

Diante dessas constatações, a jurisprudência tradicional segundo a qual a via crucis percorrida pelo consumidor, ao enfrentar problemas de consumo criados pelos próprios fornecedores, representa “mero dissabor ou aborrecimento” e não um dano moral indenizável revela um raciocínio erigido sobre premissas equivocadas que, naturalmente, conduzem a essa conclusão falsa.

A primeira de tais premissas é que o conceito de dano moral enfatizaria as consequências emocionais da lesão, enquanto ele já evoluiu para centrar-se no bem ou interesse jurídico atingido; ou seja, o objeto do dano moral era a dor, o sofrimento, a humilhação, o abalo psicofísico, e se tornou qualquer atributo da personalidade humana lesado.

 A segunda é que, nos eventos de desvio produtivo, o principal bem ou interesse jurídico atingido seria a integridade psicofísica da pessoa consumidora, enquanto, na realidade, são o seu tempo vital e as suas atividades existenciais.

A terceira é que esse tempo existencial não seria juridicamente tutelado, enquanto, na verdade, ele se encontra resguardado tanto no elenco exemplificativo dos direitos da personalidade quanto no âmbito do direito fundamental à vida.

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITOS C.C. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.

Fornecedora se recusa a contratar com o autor, sob a justificativa de que este se encontra em débito com ela. Apelante que não se desincumbiu, contudo, do ônus de demonstrar a legitimidade do débito.

Consumidor que chegou a propor a pagar a quantia, mesmo desconhecendo a natureza ou origem do débito, apenas como forma de viabilizar a contratação de seu interesse.

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