Obras Inacabadas – Consequências Jurídicas de Entrega de Construção Inacabada
Inteiro Teor
Registro: 2022.0000277235
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0076454- 95.2012.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes CASTELBLANCO EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS SPE LTDA. e TRISUL S/A, são apelados ALEXANDRE ALMEIDA DA SILVA e RENATA CRISTINA LOURENZON.
ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 10a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento em parte ao recurso. V. U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores ELCIO TRUJILLO (Presidente sem voto), WILSON LISBOA RIBEIRO E J.B. PAULA LIMA.
São Paulo, 14 de abril de 2022.
MÁRCIO BOSCARO
Relator (a)
Assinatura Eletrônica
VOTO nº: 2.269
APELAÇÃO CÍVEL nº: 0076454-95.2012.8.26.0100
APELANTE: TRISUL S/A E OUTRO
APELADOS: ALEXANDRE ALMEIDA DA SILVA E OUTRO
COMARCA: SÃO PAULO
JUIZ: LUIZ FERNANDO PINTO ARCURI
APELAÇÃO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. Unidade imobiliária entregue pela construtora, inacabada, a evidenciar, pois, a inabitabilidade do imóvel. Elementos dos autos a comprovar inúmeras irregularidades do empreendimento, a exemplo da ausência de ligação elétrica no imóvel, bem como inexecução parcial das obras referentes à sua área comum. Sentença que julgou procedentes, em parte, os pedidos, para condenar os corréus a restituírem aos autores os valores despendidos a título de taxa SATI; condenando-os ao pagamento de indenização por danos morais, fixada em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), para cada autor. Irresignação. Acolhimento parcial. Ato ilícito incontroverso, a ensejar reparação pelos danos morais experimentados pelos autores, cabendo tão somente a reforma do quantum fixado. Verba indenizatória que deve observar as particularidades do caso concreto e, em especial, atentar ao caráter punitivo-pedagógico da sanção. Valor minorado para R$ 10.000,00 (dez mil reais), para cada ofendido, em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Sentença reformada, em parte, para esse fim, mantida, no mais, tal como lançada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que julgou procedentes, em parte, os pedidos, nos seguintes termos:
“(…) Posto isto, julgo parcialmente procedentes os pedidos desta ação para condenar as rés a restituírem aos autores os valores despendidos com SATI (serviço de assessoria técnico-imobiliária) no contrato discriminado na inicial, com correção monetária desde o desembolso e juros de mora de 1% ao mês a contar da citação, bem como para condenar as rés ao pagamento aos autores da indenização por danos morais de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para cada um deles, com correção monetária a contar da presente decisão e com juros de mora de 1% ao mês desde a citação, respondendo as rés pelas custas, despesas processuais e por honorários advocatícios, arbitrados em 15% do valor total da condenação”.
Irresignadas, deduzem as apelantes, em suma, que não houve qualquer prejuízo decorrente da continuidade das obras no empreendimento, aos apelados, eis que o fornecimento de energia e água para o imóvel, foram, ainda que em caráter provisório, providenciados pela construtora, às suas expensas. Asseveram que a pequena demora na regularização de pendências pontuais no imóvel e as consequências disso decorrentes são insuficientes para caracterizar abalo moral indenizável, razão pela qual, postulam o afastamento da condenação respectiva. Requerem, subsidiariamente, seja minorado o valor fixado àquele título, para o importe de R$ 1.000,00, para cada apelado.
Regularmente processado, o recurso foi contrariado às fls.1.453/1.4589, batendo-se pela manutenção da decisão.
É O RELATÓRIO.
O recurso comporta provimento, em parte.
Do que se extrai dos autos, os autores ingressaram com a presente
ação de obrigação de fazer, cumulada com pedido indenizatório por danos morais e materiais, fundada na inadimplência contratual das empresas corrés, notadamente em função das precárias condições de habitabilidade da unidade imobiliária, a ensejar, pois, a reparação civil pelos danos disso decorrentes.
A r. decisão combatida, além de reconhecer a inexigibilidade da taxa SATI, então pelos autores recolhida em favor das corrés, apurou a inexecução parcial das obras no empreendimento, quando de sua efetiva entrega aos compradores, condenando as apelantes ao pagamento de indenizações, conforme os termos supratranscritos.
Pois bem.
Cinge-se a controvérsia quanto à ocorrência ou não dos danos morais em relação aos apelados, em decorrência do evento narrado na peça vestibular, tal qual reconhecida pela r. decisão hostilizada.
Com efeito, ao que se infere do acervo probatório coligido aos autos, revela-se inconteste que no empreendimento as obras encontravam-se inacabadas, quando do recebimento das chaves pelos autores, fato esse que, por certo, ensejou inúmeros infaustos e dissabores aos, à época, recentes proprietários do imóvel.
Como bem explanou a r. sentença apelada, verbis:
“A perícia neste processo foi realizada de forma indireta, pois, à data do laudo, a situação de fato, por evidente, já era bem diferente. Não obstante, o Perito pôde constatar que, na data referida pelos autores na inicial, havia, de fato, irregularidades no empreendimento, como a de natureza elétrica (fl. 1078), além de obras inacabadas (fl. 1080). À fl. 1098 o senhor Perito, com base na prova documental, indica irregularidades na parte elétrica, quanto à entrega da área externa e com relação á dedetização. Ressalte-se, quanto ao termo de vistoria assinado pelos autores, que se refere, em princípio, apenas à parte interna da unidades deles. Lembre-se que esse empreendimento foi realizado em duas fases. E, nesses termos, como observou o Perito Judicial nos seus esclarecimentos de fls. 1221, a implantação em duas fases desse empreendimento certamente causou transtornos às unidades que estavam na primeira fase. Observe-se, por oportuno, que, se assim optaram as rés na realização do mencionado empreendimento, no caso, com a entrega de unidades em etapas distintas, resultando em obras inacabadas ou movimento de trabalhadores pelo local (responsáveis pela segunda fase), ocasionando transtornos aos consumidores, deve responder perante eles, na forma do art. 14 do CDC. O documento citado pelo perito à f, 1080 faz menção a uma vistoria de abril de 2013 (fl. 356) e ali também há referência a um laudo de fevereiro de 2013 (fl. 357). O conjunto probatório, assim, integrado pela perícia deste feito e a prova documental (inclusive, os laudos e os pareceres de outro processo), demonstra que havia obras pendentes quando do recebimento das chaves pelos autores, inferindo-se que, de fato, sofreram transtornos, angústias, com alteração de seu bem-estar, o que caracteriza o dano de natureza moral”.
Evidente, portanto, a prática de ato ilícito perpetrado em face dos compradores, vez que a obrigação contratual, então assumida pelos vendedores, certamente não fora observada a contento, de modo que não se revela crível que uma unidade imobiliária seja entregue, a seu adquirente, em meio à consecução dos demais setores que compõe o empreendimento, cujos transtornos disso decorrentes, por evidentes, deveriam ter sido objeto de prévia análise e acautelamento pelos responsáveis, a fim de evitar tal descompasso temporal nas entregas dos apartamentos.
Nesse sentido, o dano moral pode ser presumido diante das circunstâncias narradas nos autos, visto que a aquisição de imóvel residencial gera expectativas que, se frustradas, abalam sensivelmente seus titulares.
Vale dizer, o dano moral se fundamenta no sofrimento injusto e grave, no que a dor retira à normalidade da vida, para pior. Com relação à sua constatação, tem-se que a responsabilização do agente deriva do simples fato da violação ex fato, a revelar, portanto, desnecessária a prova de reflexo no âmbito do lesado, ademais, nem sempre realizável. Contenta-se o sistema, nesse passo, com a simples causação, diante da consciência que se tem de que certos fatos atingem a esfera da moralidade coletiva ou individual. Não se cogita, mais, pois, de prova de prejuízo moral.
Ressalte-se, ainda, que a indenização deve ser fixada de maneira equitativa e moderada, observadas as peculiaridades de cada caso, para que não se tenha a dor como instrumento de captação de vantagem, de modo a proporcionar ao ofendido uma compensação pelo injusto sofrido e, concomitantemente, desestimular o ofensor à recalcitrância da conduta lesiva, em atenção ao caráter punitivo- pedagógico do instituto em questão.
Nessa perspectiva, reputo elevado o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), arbitrado, para cada autor, pelo D. Juízo sentenciante, e, malgrado não no montante postulado pelas apelantes, reduzo-o para o importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para cada ofendido, em observância, inclusive, aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
A respeito do tema, confira-se, mutatis mutandis, o entendimento desta Corte, citando-se, para ilustrar, as ementas dos seguintes precedentes:
“Apelação Cível. Compromisso de compra e venda. Indenização por dano material e moral em decorrência de atraso na entrega. Procedência pedido. (…) Devida a restituição do valor pago a título de taxa de evolução de obra, após a data fixada para a entrega do imóvel. Lucros cessantes presumidos, mantidos em 0,5% sobre o valor atualizado do contrato (frutos que o imóvel geraria, seja como residência, seja por locação Súmula nº 162 do TJ/SP). Danos morais. Indenização devida. Valor corretamente arbitrado pela r. sentença em R$ 10.000,00. Recursos de apelação desprovidos” (Apelação Cível nº 1008381-84.2020.8.26.0161, Rel. Des. Piva Rodrigues, 9a Câmara de Direito Privado, j. 30/6/21).
“Compromisso de compra e venda. Atraso injustificado na entrega de unidade autônoma. (…) Dano moral. Caracterizado. Hipótese que ultrapassa o mero aborrecimento. Valor a ser ponderado de forma a evitar enriquecimento sem causa e reprimir a reiteração de tal conduta por parte da ré, valor de R$10.000,00 que atende a situação apresentada nos autos. (…) Recurso da autora parcialmente provido e parcialmente provido ao recurso da requerida” (Apelação Cível nº 1005050-26.2018.8.26.0562, Rel. Des. Coelho Mendes, 10a Câmara de Direito Privado, j. 31/8/21).
De rigor, portanto, a reforma da r. sentença, apenas quanto ao valor indenizatório, mantida, no mais, tal qual lançada.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, nos termos e para os fins constantes da fundamentação.
MÁRCIO BOSCARO
Relator