A persistência em contrariar ato administrativo, por si só, não gera tipicidade jurídico penal, pois é papel do órgão regulador impor sanções para impedir atividade comercial irregular. Assim entendeu a juíza Sônia Fernandes Fraga, da 24ª Vara Criminal de São Paulo, ao absolver sumariamente o dono de uma loja que vendia suplementos alimentares.
O comerciante foi acusado de crime contra a relação de consumo, por fazer propaganda na internet anunciando que os produtos estimulariam a produção de hormônio do crescimento. O Ministério Público disse que o homem continuou com a prática mesmo depois de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinar a suspensão da publicidade.
Já para os advogados Fabíola Emilin Rodrigues e Leonardo Palazzi, que representaram o réu e compõem o Demarest Advogados, a intervenção do Direito Penal só é legítima quando os demais ramos ou setores do Direito se mostram para fazer o controle social. A Anvisa, segundo eles, poderia tomar medidas próprias, como aplicar multa ou cancelar alvará do estabelecimento.
Ainda conforme a defesa, a punição criminal seria excessiva, pois não há qualquer perícia nem relato no sentido de que o cliente tenha vendido marca ou item diverso e enganado sobre a natureza e a qualidade dos produtos, por exemplo.
A juíza absolveu o réu mesmo antes da instrução, por entender que a conduta de anunciar benefícios de suplementos restringe-se a ilícito administrativo, “a menos que se obstenha prova material de componente diverso ao informado ou mendaz propaganda”.
Sônia considerou “justa a preocupação do legislador ao valorar no âmbito do Direito Penal condutas que possam causar danos à saúde pública”. Na avaliação dela, porém, só há crime quando o produto não apresenta o conteúdo alegado ou se os componentes comprovadamente não provocam os benefícios anunciados. E, conforme a decisão, a Anvisa tem exercido poder fiscalizador no caso.
O MP-SP ainda acusava o dono do comércio de vender produto sem registro do órgão regulador, o que é inclusive considerado crime hediondo. Os advogados responderam que o promotor do caso baseou-se em resolução da agência já revogada quando a denúncia foi oferecida. A partir de 2014, foi permitida a comercialização do item no país, apenas com restrições para anúncios.
Informação ao consumidor
Fabíola Emilin e Leonardo Palazzi afirmam ainda que o caso demonstra uma controvérsia entre normas: enquanto a Anvisa proíbe o repasse de informações ao cliente, a legislação consumerista obriga empresas a fornecer dados integrais.